Projetos sustentáveis com uma missão social: o caso da Peggada

 

A SCORING esteve a falar com Marta Cerqueira e Lígia Gomes, as fundadoras da Peggada, para perceber como é que este projeto começou e de que forma podemos contribuir, enquanto “utilizadores” deste planeta, para termos uma pegada mais sustentável, um passo de cada vez.

SCORING Magazine (SM): Em que consiste a Peggada e como surgiu esta iniciativa?
Marta Cerqueira (MC): A conceção desta ideia foi minha, e aconteceu há cerca de quatro anos. Sou jornalista e, na época, era editora numa revista de lifestyle, e foi nesse momento que comecei a dedicar mais atenção a temas relacionados com a sustentabilidade. Na altura, a discussão sobre este tema não era muito divulgada, e os meios de comunicação social não abordavam muito o assunto. Foi então que decidi trazer a sustentabilidade para a minha revista.
Simultaneamente, na minha vida pessoal, fui praticando cada vez mais mudanças sustentáveis, para tornar o meu dia-a-dia mais ecofriendly, e diminuir o impacto negativo das minhas atividades quotidianas. O que começou por uma paixão pessoal, rapidamente se transformou num compromisso profissional também. Percebi que podia ajudar os meus amigos, família ou até seguidores nas redes sociais, que muitas vezes me perguntavam “onde posso comprar produtos a granel?”, “onde comprar roupa em segunda mão?” e “que produtos de higiene é que usas?”.
Comecei a refletir sobre a possibilidade de criar uma plataforma em Portugal que agregasse toda essa informação sobre sustentabilidade. Mais do que isso, podia ajudar as pessoas a identificarem locais perto de si, onde pudessem realizar compras mais sustentáveis. Foi aí que a ideia da Peggada começou a nascer, quando me candidatei ao programa Women4Climate, destinado a mulheres empreendedoras na área da sustentabilidade. A minha candidatura foi dedicada à ideia desta plataforma e, graças ao programa, tive a oportunidade de conhecer a Lígia, que também era participante, com outro projeto que, infelizmente, não avançou. Como estava consciente que não queria conduzir este projeto sozinha, mesmo sem a ter conhecido pessoalmente, convidei-a a juntar-se a mim nesta jornada. Isto ocorreu durante a pandemia, o que tornou o arranque do projeto especial, pois começámos a trabalhar nesta iniciativa sem nunca nos termos encontrado presencialmente. Desde então, a Peggada superou em muito as minhas expectativas iniciais.
Lígia Gomes (LG): No Women4Climate, onde nos conhecemos, tínhamos um demoday, no qual tínhamos a missão de apresentar um projeto final para concorrer ao prémio. A ideia original da Marta para a Peggada centrava-se no diretório que temos atualmente: uma lista de negócios. Contudo, considerámos que, dado o background jornalístico da Marta, fazia sentido incorporar uma vertente de conteúdos ao site e, assim, adicionámos essa dimensão ao projeto. Em seguida, surgiu a ideia de incluir uma agenda de eventos e workshops, como mercados de trocas, e passámos a promover a ideia de que existem áreas onde podemos ser mais conscientes.
Para apresentar no programa, desenvolvemos um site básico, no entanto, a visão para a Peggada evoluiu e decidimos dar-lhe vida, mantendo-a como um “side project”. Só desde o ano passado é que nos dedicamos integralmente à Peggada.

SM: Qual é o business case da Peggada?
LG: Quando iniciámos a Peggada, explorámos modelos de negócio relacionados com a plataforma, principalmente focados na publicidade. No entanto, deparámo-nos com um desafio, pois a publicidade opera em escala, e a Peggada é uma plataforma de nicho. Além disso, tínhamos de ter em conta as publicidades estarem ligadas à sustentabilidade, para não desvirtuar o projeto. Apesar de termos muitas page views, para grandes marcas a escala não era suficiente para tornar a publicidade atrativa.
Então, explorámos outras alternativas e oportunidades, como a participação em programas de aceleração de startups. Começou a surgir um interesse crescente de empresas que nos procuravam para workshops, palestras e produção de conteúdos. No ano passado, pudemos colaborar com profissionais de recursos humanos de empresas para fornecer formação.
Este ano, estamos a desenvolver conteúdo exclusivo para os utilizadores mais fiéis. Além disso, queremos introduzir um sistema de venda de cabazes sustentáveis, para promover os negócios mais pequenos do nosso diretório, dando visibilidade e exposição a marcas mais desconhecidas. O nosso objetivo é criar uma ponte entre os negócios no nosso diretório, comprometidos com práticas mais benéficas para o nosso planeta e sociedade, e as pessoas que partilham essas preocupações.

SM: Atualmente, a Peggada ainda é só composta por vocês, ou já têm uma rede de colaboradores?
MC: Na base do projeto, continuamos a ser nós as duas, mas temos uma pessoa que nos ajuda na parte dos conteúdos e outra na parte mais técnica do site. Quando é necessário dar formações a empresas, somos nós que as realizamos se for ligado ao consumo responsável. Se for alguma área mais específica, temos uma rede de contactos alargada que indicamos para fornecer essa formação (seja workshop, palestra, …).

SM: O vosso modelo de negócio visa tornar os “outros” mais sustentáveis. E vocês, são sustentáveis?
MC: A essência do nosso trabalho está, sem dúvida, apoiada na sustentabilidade, e procuramos implementar isso a várias áreas das nossas vidas. Por exemplo, trabalhamos 100% remotamente, o que evita deslocações desnecessárias para o escritório. Também não temos carros, tentando sempre optar pela melhor opção de deslocação. Estamos a planear uma reconstrução ao nosso site, para melhorar algumas funcionalidades, e para isso queremos apostar na sustentabilidade digital.
LG: Exatamente. Apesar do servidor que temos atualmente não ser dos piores, estamos a fazer um apanhado dos servidores mais sustentáveis a nível digital, para quando fizermos a transição. A nível pessoal, também implementamos essas práticas, por exemplo há dez anos que apenas compro roupa em segunda mão e o ano passado comecei a fazer compostagem.
A mensagem que a Peggada quer transmitir não é a adoção da sustentabilidade a 100%, mas sim a adoção de hábitos que sejam fáceis de manter para a o quotidiano de cada um. A importância não está em ser a pessoa mais sustentável do mundo a curto prazo, mas sim em incorporar práticas sustentáveis de forma consistente e duradoura.

SM: A rede de estabelecimentos do vosso diretório tem dimensão nacional?
LG: Começámos por explorar apenas negócios em Lisboa, especialmente porque o Women4Climate era organizado pela Câmara Municipal de Lisboa e pela Startup Lisboa. Tendo em conta que, em 2020, Lisboa foi eleita a capital europeia verde, somado ao segundo confinamento, começámos a receber pedidos de informações para negócios online, dada a restrição do deslocamento das pessoas. Graças a isto, ampliámos o nosso foco para a curadoria de negócios online e, mais tarde, para o resto do país.
É inegável reconhecer que Lisboa e Porto têm uma maior concentração de negócios de cariz sustentável, mas estamos dedicadas a expandir o nosso alcance a outras regiões do país. No ano passado, implementámos uma estratégia de publicações semanais no Instagram, onde destacávamos uma zona específica do país, para envolver a nossa comunidade e expandir a nossa rede que, atualmente, já conta com cerca de 700 negócios listados no diretório.

SM: Como é que têm conhecimento desses negócios?
MC: No início do projeto, erámos nós que fazíamos uma pesquisa por esses negócios, mas à medida que a Peggada se tornou mais conhecida, os próprios donos ou pessoas informadas começaram a procurar-nos. Continuamos a fazer apelos na nossa newsletter e nas redes sociais, e mantemos um formulário aberto no site para os utilizadores registarem os negócios que conhecem e aumentarem o diretório.
LG: É interessante testemunhar esta evolução, porque ao início era mais difícil recolhermos informação e agora, seja através de press releases ou de emails que nos enviam, chegamos a muitos mais negócios. A parte desafiante é mantermos o diretório sempre atualizado, especialmente em relação ao encerramento de alguns negócios. Para combater esse desafio, fazemos limpezas periódicas para manter o site sempre relevante e atual, e podermos garantir aos utilizadores informações precisas e atualizadas.

SM: Quais são os maiores investimentos da Peggada?
LG: Temos alguns projetos em mente! A melhoria do nosso SEO é fundamental para nos posicionarmos melhor no Google, o que aumentará a visibilidade da Peggada e permitirá atrair mais pessoas. A par da mudança que queremos fazer ao site, queremos também melhorar as páginas de cada negócio, para garantir uma melhor experiência ao utilizador e tornar a informação mais acessível.
No fundo, o que pretendemos é implementar uma estratégia de vendas ativa para os 700 negócios que temos no nosso diretório. Com esta abordagem, queremos não só dar a conhecer esses negócios, como também fortalecer as relações e conexão com os diferentes players na comunidade sustentável.
A participação no projeto Liga-Ação, no ano passado, deu-nos o impulso que precisávamos e permitiu-nos abraçar este projeto a full time. Este ano, voltámos a associar-nos ao “Março, o mês do granel e da reutilização”, através de uma parceria, onde investimos tempo e notoriedade. Esta colaboração permitiu-nos dar mais visibilidade aos negócios a granel e do setor da restauração, de forma a dinamizarmos esses espaços. Daí a urgência e necessidade de melhorar o SEO, para aproveitar esta iniciativa e atrair mais tráfego e notoriedade à Peggada.

SM: Como empreendedoras, o que procuram em programas de aceleração de startups?
MC: Claro que, para nós, o prémio financeiro é muito importante, porque não temos financiamento. Mas, o que importa são essencialmente duas coisas: entrarmos no ecossistema, para conhecermos mais pessoas (da área ou não), que nos fazem aprender e, eventualmente, que possam gerar colaborações; e a possibilidade de aprendizagem com mentores e o acompanhamento que nos é dado. Apesar de termos uma estratégia definida e um caminho delineado, é sempre positivo voltar atrás e repensar o nosso foco, o que torna estes programas uma experiência enriquecedora.
LG: Também já ganhámos alguns prémios. Em 2021, ficámos em primeiro lugar no prémio “Go Green, Go Social”, da NOVA FCSH e Santander Universidades. Em 2022 ficámos em segundo lugar no “Shift Happens”, um projeto mais ligado ao impacto social, organizado pelo “A Ponte”. Em 2023 ficámos em primeiro lugar no “Startup Zero”, em Coimbra, e em terceiro lugar no “EcoStartup”, em Évora. No “Rise for Impact”, apesar de termos ficado nos dez finalistas, não passámos à fase seguinte. No entanto, em termos de programa, retirámos uma experiência muito rica, que aconselho bastante a quem quiser desenvolver ideias nesta área.
Em cada um destes programas, tínhamos um objetivo e um propósito muito claro. O ecossistema da área social acaba por ser muito pequeno, o que é bom porque permite uma ajuda mútua, fornece mentorias e um tipo de apoio contínuo que é crucial para nós.

SM: E por último, já pensaram em alguma estratégia de internacionalização?
LG: Apesar de termos muita vontade de expandir, por enquanto ainda somos uma equipa pequena para tal. Enquanto o nosso modelo de negócio não for escalável o suficiente e tivermos uma base sólida para avançar, não é um passo que possamos dar, porque não conseguimos enfrentar os desafios que a internacionalização traz.
Mas, sem dúvida que é um objetivo claro para nós, tendo em conta que 12% do tráfego do nosso site é inglês, o que é um sinal positivo da potencial aceitação internacional. Considerando a semelhança de desenvolvimento em áreas da sustentabilidade entre Portugal e Espanha, sendo que Espanha tem um mercado muito maior, a expansão para este país pode ser uma estratégia promissora. Estamos a planear dar esse passo em 2026, o que nos dá tempo para fortalecer a nossa estrutura atual e podermos expandir de forma sustentável.

 

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