Design Thinking: O Catalisador da Inovação Focado nas Pessoas

 

Vivemos tempos de mudanças a um ritmo desigual, na história da humanidade: se por um lado, todos os dias surgem novas soluções tecnológicas e negócios que adensam o tecido concorrencial; por outro lado, nós, como consumidores, estamos cada vez mais exigentes e com necessidades mais complexas. Depois de vivermos uma pandemia, à escala global, mudaram-se as nossas vontades: estamos mais virados para dentro e para o lar, queremos tudo de forma rápida e cómoda (até os serviços de saúde), o teletrabalho deixou de ser opção para ser uma condição, exigimos equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal. Mas, também, mudámos a nossa personalidade: um estudo desenvolvido por Sutin et al. (2022), sugere que a pandemia desencadeou mudanças significativas na personalidade das pessoas, estando estas menos abertas, amáveis e conscienciosas, comparativamente ao início da pandemia. Quantos de nós já deu por si a pensar que as pessoas estão cada vez mais impacientes e ariscas? Apesar de termos superado todos os desafios, e até termos aguçado o engenho em algumas áreas, as consequências de um fenómeno social como este, ainda se fazem sentir.

Um mundo onde os “problemas são cada vez mais wicked” (designação de Liedtka et al., 2017), exige uma mudança de paradigma na forma de trabalhar das empresas, que coloque as pessoas no centro, tire partido dos sistemas de relações colaborativas e multidisciplinares, e prepare as equipas para serem resilientes e proativas, em ambientes ambíguos e em constante transformação. Por outras palavras, a abordagem de Design Thinking, mais finamente apelidada de Human-Centered Design Thinking.

Conceito e mindset de Design Thinking

Tirando partido da sensibilidade e métodos da área de design, o Design Thinking consiste numa metodologia de resolução criativa de problemas, que garante que as soluções desenvolvidas são desejadas pelas pessoas, tecnologicamente concretizáveis e viáveis para o negócio – as três lentes de inovação, cunhadas por Tim Brown, atual presidente da IDEO.

IDEO: agência fundada em 1991 por David Kelley, com o propósito de criar um estúdio de design centrado no ser humano, tendo desenvolvido deste o primeiro rato da Apple, até à aplicação da metodologia de Design Thinking à resolução de problemas sociais, criando um mundo mais justo e inclusivo.

Acima de tudo, Design Thinking é uma forma de pensar os problemas, que não é de uso exclusivo dos designers: todos nós podemos desenvolver as nossas capacidades (muitas vezes naturais) para pensar design – são elas:

  • A empatia: antes de mais, tem a ver com a capacidade de imaginarmos o mundo de várias perspetivas, seja pela lente de um colega de trabalho ou pelos pés de um cliente, consumidor ou utilizador;
  • O pensamento integrativo: como falamos de pessoas, precisamos de desenvolver a capacidade de pensamento lateral e que considere as diferentes e, por vezes, contraditórias, perspetivas – como? Através da imersão na vida e problemas das pessoas, para as quais queremos desenvolver uma solução;
  • O otimismo: a convicção de que, apesar dos constrangimentos e do companheiro inevitável do processo – o erro – as soluções potenciais, serão melhores do que as opções existentes;
  • A experimentação: para chegarmos a várias soluções alternativas, devemos desenvolver a predisposição para testar e errar, iterando junto das pessoas e integrando, continuamente, esse feedback;
  • E a colaboração: dada a crescente complexidade dos produtos, serviços e, quebrando o mito do génio criativo isolado, o pensamento de Design Thinking aborda os problemas através da colaboração e multidisciplinaridade, tirando partido da variedade de experiências e conhecimentos de uma equipa, que pode integrar, desde engenheiros, profissionais de marketing, antropologistas, designers, arquitetos e psicólogos (adaptado de Brown, 2008).

Mesmo antes de trabalharmos este mindset, fundamental para abraçarmos e sermos parte de processos de Design Thinking, devemos começar por trabalhar aquilo que Kelley e Kelley, (2013) consideram ser o coração da inovação: a confiança criativa. Num dos livros mais fascinantes (e obrigatório) sobre o poder da criatividade – “Creative Confidence” – os irmãos Kelley estabelecem a (auto) confiança criativa como a capacidade de acreditarmos que todos somos criativos, que temos em nós o potencial para criar mudança no mundo à nossa volta, e alcançar o que quer que queiramos fazer. Para tal, precisamos de, antes de mais, parar de dividir o mundo (e a nós mesmos), em criativos e não criativos, porque a criatividade é como um músculo, que pode ser reforçado e alimentado, através da prática e experiência. Partindo deste pressuposto, o Design Thinking emerge como um ginásio da criatividade, uma vez que, através do seu fluxo de pensamento e ferramentas, permite-nos questionar os padrões existentes, combinar diferentes perspetivas, explorar diferentes alternativas, esticar os limites das possibilidades.

Liedtka et al. (2017) leva esta ideia mais longe, estabelecendo o Design Thinking como uma oportunidade para convidar todos aqueles que anteriormente eram excluídos das conversações sobre inovação, mesmo aqueles que têm dificuldades em comunicar as suas necessidades. Caminhamos assim, para a democratização da inovação, onde todos temos um papel na geração de valor para os stakeholders que servimos (também esses envolvidos no processo).

Processo de Design Thinking

Co-existem várias abordagens ao processo de design thinking, sendo a lógica e fluxo de pensamento partilhada, entre as suas diferentes conceções e adaptações.

O surgimento do Design Thinking não pode ser atribuído a ninguém em específico, uma vez que resultou da combinação de várias perspetivas de profissionais da área do design, ao longo de várias décadas. Contudo, a IDEO é uma referência incontornável, dado o seu contributo para a democratização da metodologia e promoção de cultura de inovação co-criativa, desde 1978. Apesar de assumir a não linearidade do processo, a IDEO considera que, independentemente do desafio de design que tenhamos de resolver, iremos percorrer 3 fases: inspiração, ideação e implementação. Abraçando fluxos de divergência e convergência de informação, o processo começa pela criação de empatia profunda e aprendizagem com as pessoas e comunidades que queremos servir, movendo-se para a exploração, identificação e teste (refinamento) de diferentes possibilidades, e convergindo no lançamento da ideia para o mercado e maximização do seu impacto positivo no mundo. A IDEO partilha mais sobre o processo Human-Centered Design, bem como um kit de 57 métodos, ferramentas e atividades, no e-book gratuito “The Field Guide to Human-Centered Design” (IDEO, 2015).

Inspirado pelas interações com Dave Duncanson, engenheiro da IDEO, e com Gary Hamel, guru da área de negócios, Richard Eisermann, diretor de design do Design Council, em 2003 reuniu uma equipa multidisciplinar para desenvolver um modelo de inovação baseado no conceito do “duplo diamante”. Partindo da desconstrução dos métodos usados pelos designers em diferentes projetos, a equipa identificou alguns padrões, que convergiram num processo de quatro fases: descoberta (das necessidades do utilizador), definição (do desafio, com base nos insights do utilizador), desenvolvimento (de diferentes soluções potenciais) e entrega (da solução que dá resposta ao problema). Graficamente, o processo de inovação e design adotado pelo Design Council, distingue-se dos demais, por representar com clareza o fluxo de divergência e convergência de informação: se na fase de descoberta, os investigadores divergem na recolha de problemas e necessidades, na fase de definição convergem na seleção de um problema a dar resposta, para voltar a divergir em múltiplas possibilidades de soluções, e voltar a convergir na seleção e lançamento de um produto ou serviço.

Ainda dentro das diferentes abordagens e representações do processo de Design Thinking, destaco o processo introduzido por Liedtka & Ogilvie, no livro “Designing for Growth” (2011), que foca o método de Design Thinking na resposta a quatro questões: (1) “O que é?” (o problema), “E se?” (exploração de solução), “Quais os wows?” (tangilização das soluções) e “O que funciona?” (recolha de feedback dos stakeholders). Considero especialmente interessante o formato de pergunta, uma vez que, sempre que lançamos uma questão para um grupo, existe um estímulo que se desencadeia pela procura da resposta.

Ao longo dos últimos anos, que o processo de Design Thinking tem sido adotado como metodologia de inovação por grandes empresas, no setor dos produtos de grande consumo, como a Coca-Cola e a McDonalds; no setor da saúde, como a GE Healthcare e a Oral B; no setor dos serviços como a Airbnb e Netflix; e no setor da tecnologia, como a Google e a IBM. Inclusivamente, algumas delas sentiram a necessidade de adaptar o processo às suas práticas e desenvolver frameworks próprias, como o Loop da IBM. Desta representação do processo de Design Thinking, gosto particularmente da expressão do ciclo contínuo de observação, reflexão e concretização, sendo os 3 pontos verdes representativos das equipas multidisciplinares e o ponto amarelo o foco nos resultados do utilizador.

Independentemente do prisma da abordagem ao processo de Design Thinking, tudo começa com as pessoas – pessoas reais, não segmentos demográficos, como esclarecido por Liedtka, et al. (2017). Mais propriamente pela descoberta e compreensão das suas necessidades, através de ferramenta que procuram ir além do óbvio e visível, alcançando os sentimentos e as histórias das pessoas, onde residem as suas verdadeiras motivações e a essência dos seus desafios. Das entrevistas semi-estruturadas, técnicas de observação (como service safaris ou shadowing) e mapas de empatia, até à criação de jornadas de experiência, do ponto de vista de personas, vários são os métodos e ferramentas que, combinados, nos permitem perceber em profundidade (e com empatia) as dores dos utilizadores ou potenciais clientes.

Depois de uma fase de divergência, dedicada à descoberta de desafios, segue-se a seleção e formulação do problema, a dar resposta na fase de ideação.

A fase de ideação contém em si dois ciclos: uma etapa de divergência, na geração de soluções alternativas e uma fase de convergência, na seleção das melhores soluções, que irão avançar para a fase de prototipagem. Na fase de geração de ideias, o grupo deve promover um ambiente seguro e de confiança, onde as ideias diruptivas são incentivadas e onde o julgamento e castração não têm lugar, uma vez que o objetivo é quantidade de alternativas de ideias para a resolução do problema. Aqui, damos uso de ferramentas que promovem o pensamento lateral e fora da caixa, como o brainstorming (brainwriting, quando realizado em silêncio), 6 Thinking Hats (desenvolvida por De Bono), e os Crazy 8’s (ferramenta usada na metodologia Sprint, introduzida por Jake Knapp, Google Ventures).

De braços dados com a ideação, surge a fase da prototipagem, que revela como principal objetivo tangibilizar/dar forma às ideias, através da criação de protótipos de baixa fidelidade, digitais ou com recurso a papel e tesoura. Todos conseguimos prototipar, uma vez que todos conseguimos criar uma estória, uma notícia, uma caixa de cartão, um esquiço, ou um mapa de um site – tudo formas de materialização de ideias em protótipos, passíveis de usar na recolha de feedback junto de utilizadores. Aqui abre-se um ciclo de iteração contínua: onde submetemos o nosso protótipo à experimentação do utilizador, recolhemos feedback e integramos esse feedback no desenvolvimento e evolução do protótipo, e assim consecutivamente, até termos uma solução válida para lançar no mercado.

Este processo não deve ser assumido como linear, mas como interativo, com uma lógica de pensamento em sequência, mas com a flexibilidade para, sempre que surgir um novo insight, voltarmos atrás para validar essa informação. Também deve ser visto como um processo em contínuo onde, mesmo quando lançada para o mercado, aquela solução pode integrar melhorias decorrentes de novo feedback, e novas necessidades podem surgir na iteração com o mercado.

Aplicabilidades do Design Thinking

O Design Thinking surge comumente associado ao desenvolvimento de novos produtos e serviços, sejam soluções digitais ou interfaces físicas, e à facilitação do processo de introdução de novas tecnologias nas operações dos negócios. No entanto, esta forma de pensar e agir perante os problemas, faz sentido para um espectro tão amplo de aplicação, quanto a nossa vontade de fazer diferente.

Mais de 50% dos projetos de consultoria em inovação e Design Thinking, em que tive oportunidade de participar, até ao dia de hoje, enquadram-se na melhoria contínua de soluções existentes, seja para introdução de novas funcionalidades ou otimização da jornada de experiência dos diferentes utilizadores do produto ou serviço. A melhoria contínua também pode ser abordada do ponto de vista das pessoas e da cultura organizacional, onde as ferramentas de Design Thinking são aplicadas tendo em vista ao desenvolvimento de soft skills, cada vez mais desejadas pelos gestores de pessoas e negócios, segundo a Forbes Advisor (2024), como sejam: a comunicação empática e a escuta ativa; a liderança alicerçada na capacidade de resolução de problemas, mentoria de pessoas e pensamento estratégico; trabalho em equipa e colaboração; criatividade, curiosidade, coragem para arriscar e disponibilidade para abraçar contextos ambíguos e de incerteza; resolução de problemas, de forma proativa e aliada ao pensamento crítico; adaptabilidade, flexibilidade e resiliência; e inteligência emocional, que consiste no reconhecimento e compreensão das emoções dos outros = empatia.

Esta abordagem também pode ajudar equipas e gestores a (re)definir estratégias de negócios, de marketing e comunicação, mantendo o foco naquilo que é mais importante: as pessoas. A título de exemplo, partilho dois projetos, onde já tive oportunidade de experienciar a “magia” do processo de Design Thinking aplicado à redefinição estratégica, que mostram a elasticidade e eficiência das suas ferramentas. Em 2022, a La Praire Portugal desafiou-me a tirar partido das experiências do grupo de consultoras de beleza da marca, tendo em vista repensar o plano de ações do próximo ano: em conjunto fomos avaliar as oportunidades e desafios do mercado, pensar criticamente sobre o cliente e as suas necessidades e desejos, e estabelecer um conjunto de ações, que combinaram as oportunidades e pontos fortes da empresa, e derem resposta aos desafios do negócio, tendo em vista melhorar o serviço prestado ao seu público-alvo. Este ano, no âmbito do desenvolvimento do planeamento estratégico de marketing digital da Clínica de Medicina Integrativa Nuno Pacheco, promovemos um workshop, que envolveu clientes e parceiros, tendo em vista gerar empatia com o utilizador, avaliar a experiência dos canais digitais do ponto de vista das pessoas e definir planos de ações de comunicação, focados nas necessidades de conteúdo dos diferentes públicos (pacientes individuais e empresas). Como consequência, estes projetos revelam sempre a melhoria da comunicação, uma vez que o Design Thinking permite às equipas construir relações mais íntimas, ajuda-nos a eliminar a complexidade e a desordem, de modo a podermos regressar aos aspetos básicos das necessidades e dos problemas humanos (Mootee, 2013).

O Design Thinking pode, ainda, ser aplicado à resolução de problemas sociais, onde a IDEO atua há já vários anos, apoiando a melhoria de serviços de saúde e promovendo a inovação social junto de comunidades vulneráveis; à criação de redes de inovação, como por exemplo o Encontro da Rede de Cidades Criativas da UNESCO, que se realizou este ano em Portugal, e onde, em parceria com o IET e a Câmara Municipal de Amarante, aplicámos a metodologia à geração de novas soluções para tornar os espaços públicos da cidade mais inclusivos e atrativos para as novas gerações; e ao Ensino, podendo ser aplicado à inovação pedagógica e preparação do programa curricular, organização do espaço e ferramentas, seleção de métodos e técnicas de ensino e, ainda, na criação de um sistema colaborativo entre professores.

Como começar a aplicar o Design Thinking no meu negócio

Lewrick (2022) considera que o Design Thinking, quando aplicado ao crescimento de um negócio, implica uma mudança de cultura organizacional, que deve ser conduzida de forma a conduzir os envolvidos do foco no produto, para o centralismo nas pessoas; dos processos lineares, para processos iterativos; dos silos, para a co-evolução; do isolamento, para uma rede sistémica e colaborativa; da liderança diretiva, para uma liderança inclusiva.

A verdade é que tudo começa por aqui, pela criação de cultura de inovação e por desenvolver nas pessoas competências interpessoais fundamentais para a aplicação da metodologia. E estamos a falar de soft skills que, por vezes, demoram anos a disseminar, implicam mudar hábitos que têm raízes profundas e fazem parte da forma de trabalhar das pessoas há demasiado tempo. A boa notícia é que os métodos e ferramentas de Design Thinking foram criados de forma a envolver e conduzir os participantes ao longo do processo, que irão colaborar, inevitavelmente, com outras pessoas; desenvolver a resiliência, recetividade e conforto com o erro e a ambiguidade – afinal, são a única certeza do processo; e, acima de tudo, promover a empatia e perceção do ponto de vista do utilizador ou cliente, uma vez que nos obrigam a calçar os sapatos dos outros, por vezes, literalmente.

Comece por resolver um problema simples ou por aplicar uma ferramenta, pela criação uma jornada de experiência, junto de clientes internos, por exemplo: junte as pessoas da sua equipa, e em conjunto reflitam sobre a sua experiência em ambiente de trabalho – comecem por pensar nos vários momentos do dia, definam as etapas da jornada; depois reflitam sobre ganhos e nas dores/dificuldades que essa experiência proporciona, aos diferentes elementos presentes na sala; vão apontando nos (famosos) post-its e tentem aferir os pontos de melhoria partilhados. Seja qual for o problema, a que se proponha a resolver, garanto que existe uma abordagem ou ferramenta de Design Thinking que poderá aplicar, tendo em vista ao desenvolvimento de soluções focadas nas pessoas.

 

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