Do Carvão à Felicidade: a evolução das condições de trabalho até ao paradigma do bem-estar e felicidade organizacional

 

Neste artigo, proponho-me explorar, com alguma profundidade, a longa e complexa evolução das condições de trabalho, desde o seu papel rudimentar e centrado na sobrevivência no contexto da Revolução Industrial, até à emergência contemporânea de um novo paradigma centrado no bem-estar e na felicidade organizacional. Este percurso não é apenas histórico, é também estratégico. Pretendo demonstrar que este caminho faz hoje mais sentido do que nunca, que representa uma síntese lógica da evolução social, tecnológica e empresarial, e que investir nele não é um gesto de benevolência, mas uma escolha racional de gestão. As organizações que o compreendem são aquelas que estão preparadas para liderar, e não apenas para sobreviver.

Tendo formação de base em Gestão, sempre me fascinou a forma como as ideias se transformam em estruturas, e como estas moldam o comportamento humano nas organizações. Neste contexto, aproximo-me das chamadas ciências do trabalho e das organizações (com particular atenção à psicologia do trabalho, à sociologia das organizações e à história do progresso técnico). Através deste artigo, convido-o(a) a percorrer este trajeto histórico com um olhar analítico, crítico e, quem sabe, orientado para a ação concreta na sua organização, seja ela pública ou privada.

I. O ponto de partida: a Revolução Industrial e o trabalho como sobrevivência

No século XVIII, a introdução da máquina a vapor, do tear mecânico e da lógica fabril urbana, veio alterar de forma drástica e definitiva a relação entre o ser humano e o seu trabalho. Até então, grande parte da atividade laboral estava centrada na produção artesanal, familiar e rural, onde o tempo de trabalho era ajustado aos ritmos naturais e às necessidades da comunidade. Com a industrialização, tudo mudou. O trabalho passou a ser regido pelo relógio, a produção pelo volume, e a lógica dominante deixou de ser a subsistência para se tornar o lucro e a satisfação de um mercado ávido de produtos.

A fábrica tornou-se o novo centro da vida económica, e muitas vezes social também, já que as pessoas passavam grande parte do seu tempo nelas. Os trabalhadores deixaram os campos para se sujeitarem a longas jornadas em ambientes ruidosos, insalubres e repetitivos. A força física passou a ser o principal valor de troca. As condições de higiene eram mínimas, os acidentes frequentes e os direitos praticamente inexistentes. O trabalhador não era visto como um ser humano pleno, mas como um recurso utilizável até ao esgotamento. Ainda assim, paradoxalmente, foi neste ambiente hostil que começaram a germinar as primeiras sementes de mudança.

II. O Taylorismo: o trabalhador como engrenagem

Com o início do século XX, surge a tentativa de sistematizar e racionalizar o trabalho de forma científica. Frederick Winslow Taylor, engenheiro norte-americano, propôs uma nova abordagem: a organização científica do trabalho. Esta metodologia visava maximizar a eficiência por meio da divisão extrema de tarefas, da padronização de movimentos e do controlo rigoroso do tempo. Cada trabalhador era treinado para executar uma única função, da forma mais rápida e eficaz possível. Imperava a previsibilidade, o controlo e a maximização da produção.

No entanto, esta abordagem reduzia o trabalhador a quase que uma “peça” na engrenagem da máquina, negligenciando as suas necessidades emocionais, sociais e psicológicas. O bem-estar era visto como uma consequência eventual na baixa de produtividade, não como uma preocupação central. Mas, os limites começaram a evidenciar-se: a desmotivação, a alienação e os problemas de saúde física e mental revelaram-se inimigos silenciosos da produtividade. Foi neste contexto que se começou a reconhecer, ainda que timidamente, que havia um “lado humano” no trabalho que não podia ser ignorado.

III. A experiência de Hawthorne: o impacto do reconhecimento

Entre 1924 e 1932, na fábrica da Western Electric em Hawthorne, nos arredores de Chicago, decorreu uma série de experiências destinadas a compreender o impacto das condições físicas de trabalho na produtividade dos operários. A intenção era medir, por exemplo, como diferentes níveis de iluminação afetavam o desempenho. O que os investigadores descobriram, no entanto, foi algo inesperado: independentemente das condições técnicas, a produtividade aumentava sempre que os trabalhadores sabiam que estavam a ser observados, que estavam a ser considerados.

Este fenómeno ficou conhecido como o “Efeito Hawthorne”. Os trabalhadores não estavam a responder apenas às mudanças nas condições físicas, mas sobretudo à atenção que lhes era dada, ao sentimento de reconhecimento e de importância. O simples ato de serem ouvidos, considerados e integrados gerava um impacto direto na sua motivação e desempenho. Foi o início de uma viragem cultural: a constatação de que os seres humanos reagem mais à forma como são tratados do que aos recursos materiais disponíveis.

A experiência de Hawthorne é hoje reconhecida como um dos marcos fundacionais da psicologia organizacional moderna. Mostrou que o clima social dentro da empresa, as relações interpessoais e o sentimento de pertença são fatores determinantes da produtividade. Lançou as bases para uma nova forma de entender o trabalho: não como simples execução, mas como experiência vivida.

IV. A visão humanista: Maslow e as necessidades humanas

Em 1943, o psicólogo Abraham Maslow publica a sua proposta da hierarquia das necessidades humanas, mais conhecida como pirâmide de Maslow. Esta teoria, ainda hoje muito reconhecida, revolucionou a forma como entendemos a motivação. De acordo com Maslow, os indivíduos têm necessidades organizadas por níveis: fisiológicas, segurança, pertença, estima e, no topo, autorrealização. A satisfação destas necessidades influencia diretamente o comportamento humano.

Transposta para o contexto organizacional, esta visão trouxe uma nova perspetiva: o trabalhador não é apenas movido por recompensas externas ou pela obrigação de sobrevivência. Ele procura reconhecimento, integração, propósito. Esta mudança de paradigma foi crucial para o desenvolvimento de modelos de gestão mais centrados no ser humano e abriu caminho a práticas de liderança transformacional, cultura organizacional e programas de desenvolvimento de talento.

Maslow foi, assim, o precursor de uma abordagem humanista nas organizações. As suas ideias foram aplicadas não só à motivação, mas também ao design de políticas de recursos humanos, ambientes de trabalho e estratégias de retenção de talento. A sua influência continua presente em muitas das práticas modernas de gestão de pessoas.

V. Da ergonomia à felicidade: a viragem contemporânea

Com o final da Segunda Guerra Mundial e a ascensão do Estado Social, os direitos dos trabalhadores começaram a ser formalmente reconhecidos. Legislação sobre segurança no trabalho, horários máximos, salários mínimos e proteção social transformaram o panorama laboral. Nas décadas de 1970 e 1980, o foco deslocou-se para a ergonomia, o design dos postos de trabalho e a qualidade de vida no trabalho.

Surge, então, uma preocupação crescente com a liderança, o clima organizacional e o equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Mas é já no final do século XX que uma nova corrente ganha força: a psicologia positiva. Autores como Martin Seligman e Mihaly Csikszentmihalyi começam a estudar o que faz as pessoas prosperarem. O objetivo já não era apenas reduzir o sofrimento no trabalho – era promover o florescimento humano.

Conceitos como “engagement”, “employee experience”, “propósito”, “flow” e, mais recentemente, “índices de bem-estar organizacional” tornam-se cada vez mais centrais. A ideia de que se pode – e deve – ser feliz no trabalho, passa a ser não apenas aceitável, mas desejável. A felicidade deixa de ser um luxo e passa a ser uma métrica de desempenho.

VI. O bem-estar como estratégia

As empresas mais avançadas perceberam que investir no bem-estar dos seus colaboradores não é um gesto acessório. É uma alavanca estratégica. Vários estudos internacionais confirmam que existe uma correlação direta entre culturas organizacionais centradas nas pessoas e desempenho financeiro superior. Assim, as organizações que apostam no bem-estar dos colaboradores:

  • Registam um aumento de 21% na produtividade;
  • Apresentam uma redução de 41% no absentismo;
  • Têm 24% menos rotatividade de talento;
  • Superam os seus concorrentes em inovação, atração de talento e reputação.

O bem-estar organizacional é, hoje, um diferenciador competitivo. Vai muito além de benefícios superficiais ou incentivos materiais. Trata-se de criar culturas onde há escuta ativa, empatia, reconhecimento, clareza de objetivos, autonomia e espaço para crescer. Empresas com estas características atraem os melhores profissionais e, mais importante, retêm-nos e fazem-nos prosperar.

VII. Concluindo: do suor à satisfação

O percurso do trabalho humano, ao longo dos mais de 250 anos desde a Revolução Industrial, pode ser resumido como um processo gradual de humanização. Passámos da lógica da exploração à lógica da realização. De peças num sistema a sujeitos com voz, ambições e propósito.

A felicidade no trabalho já não é uma utopia romântica. É uma exigência de uma nova geração que valoriza a autenticidade, o equilíbrio e o impacto do seu contributo. Organizações que compreendem isto estão mais bem preparadas para o futuro. São mais adaptáveis, mais inovadoras, mais humanas.

Há duas formas de olhar para o investimento em bem-estar e felicidade no trabalho. A primeira é emocional: porque é certo, porque é humano, porque respeita quem constrói valor convosco todos os dias. A segunda é racional: porque é rentável. Porque, no fim de contas, o capital humano é o único que se multiplica quando é bem tratado. E as empresas que escolhem cultivar bem-estar estão a plantar o solo fértil da sua própria sustentabilidade.

 

Bibliografia

Landes, D. S. (1969). The Unbound Prometheus: Technological Change and Industrial Development in Western Europe from 1750 to the Present. Cambridge University Press.
Taylor, F. W. (1911). The Principles of Scientific Management.
Mayo, E. (1933). The Human Problems of an Industrial Civilization.
Maslow, A. H. (1943). A Theory of Human Motivation. Psychological Review.
Seligman, M. E. P. (2011). Flourish: A Visionary New Understanding of Happiness and Well-being. Free Press.
Gallup. (2022). State of the Global Workplace Report. Disponível em: https://www.gallup.com/workplace
Kern, M. L., & Waters, L. (2021). Advancing Employee Well-Being Using PERMA-V. Springer.
Drucker, P. F. (1973). Management: Tasks, Responsibilities, Practices. HarperBusiness.

 

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