A nova diretiva para o reporte da sustentabilidade das empresas europeias
O panorama das empresas europeias em termos de reporte de sustentabilidade está relevantemente alterado com a publicação da Diretiva (UE) 2022/2464, de 14 de dezembro, geralmente designada por CSRD – ‘Corporate Sustainability Reporting Directive’, no passado dia de 16 de dezembro.
A nova Directiva entra em vigor a partir de 5 de janeiro de 2023 e reforma, de forma significativa, a anterior Directiva 2013/34/UE, a NFRD – ‘Non-Financial Reporting Directive’, introduzindo:
- Um alargamento do universo de empresas diretamente abrangidas;
- Um salto gigante na amplitude de responsabilidade perante os “stakeholders” e na transparência do reporte de sustentabilidade.
Introduz ainda alterações às diretivas (EU) 2004/109/CE visando a harmonização dos requisitos de transparência no que se refere às informações respeitantes aos emitentes em mercados regulados e (EU) 2006/43/CE relativa à revisão legal das contas anuais e consolidadas.
Com a anterior NFRD as orientações de reporte abrangiam somente as grandes empresas de interesse público com mais de 500 funcionários (empresas cotadas, bancos e seguradoras) e obrigavam a que estas divulgassem determinadas informações não financeiras (seguindo diretrizes não vinculativas). Com a nova CSRD, além das grandes empresas de interesse público (em 2024), juntar-se-ão progressivamente as empresas com mais de 250 funcionários (MidCaps) ou 40 milhões de euros em receita (em 2025) e ainda as PME listadas (em 2026).
As exigências de reporte irão abranger a sustentabilidade ambiental, as questões e direitos humanos, assim como os assuntos de governação. Na prática, descreve aquilo que se designa como sustentabilidade empresarial, vulgarmente designado pelo acrónimo ESG (‘Environmental, Social and Governance’).
O que é um propósito meritório e progressivamente uma consciência universal não é, no entanto, uma tarefa simples, desde logo pela dificuldade de quantificação dos seus objetivos.
A nível macro, os 17 objetivos de desenvolvimento sustentáveis da O.N.U. foram desdobrados em 169 metas que resultaram, com base no projeto “Our World in Data” da ‘Global Change Data Lab’ em 232 indicadores. Destes indicadores em 36% a monitorização global não estava disponível e em 25% a medição era imperfeita ou incompleta. Daqui resulta um desafio de quantificação porque não sendo mensurável é difícil de avaliar o seu nível de concretização.
Abordemos agora o desiderato das finanças sustentáveis (“sustainable finance”) nos mercados financeiros.
A maioria dos atores destes mercados globais definiu já a sustentabilidade como parte integrante da sua estratégia, seja por missão própria seja por necessidade, e utiliza metodologias para definir seus objetivos estratégicos e reportar os seus resultados em relatórios de sustentabilidade aos seus “stakeholders”. Para cumprir esses objetivos guiam-se por “standards” e utilizam “frameworks” de entidades de referência. Também aqui a concretização das orientações não é tarefa simples pois existem várias entidades que se dedicam a cada um destes propósitos e os objetivos são avaliados por métricas não comparáveis com resultados pouco claros e difíceis de avaliar.
Uma outra dimensão muito utilizada é a dos “ratings ESG” que representam, igualmente, formas de avaliação mais ou menos subjetivas e que tendem a ser introduzidos na determinação de rating de investimentos ou ativos pelos diversos agentes financeiros.
Com o aprofundar dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis (ODS), esta variedade de processos e requisitos exige uma maior racionalização com a criação de padrões transversais numa escala global.
As iniciativas da União Europeia de criar normas de sustentabilidade irão acelerar este processo, onde se enquadram as futuras normas regulatórias designadas por “European Sustainability Reporting Standards” (ESRS). As novas ESRS estão a ser desenvolvidas pelo EFRAG (‘European Financial Reporting Advisory Group’), por mandato da Comissão Europeia.
As ESRS irão abranger os seguintes tópicos:
Ambiente (‘Environment’):
- E1 – Alterações Climáticas;
- E2 – Poluição;
- E3 – Água e Recursos Marinhos;
- E4 – Biodiversidade e Ecossistemas;
- E5 – Recursos e Economia Circular.
Social:
- S1 – Força Laboral;
- S2 – Trabalhadores na cadeia de valor;
- S3 – Comunidades afetadas;
- S4 – Consumidores e utilizadores finais.
Governação (‘Governance’):
- G1 – Conduta do negócio.
Já, em 2018, a Diretiva SFDR (‘Sustainable Financial Disclosure Reporting’) previa que as grandes empresas divulgassem informações sobre seus impactos ‘ESG’.
Agora, em dezembro de 2022, prevê-se a promulgação da nova Diretiva de Relatórios de Sustentabilidade Corporativa (CSRD) que irá expandir e substituir o NFRD (‘Non Financial Reporting Directive’) de 2013, alargando o seu âmbito e extensão e incluindo a garantia de informação por terceiros (’third-party assurance’).
Estarão abrangidas pela nova diretiva as seguintes entidades:
- Companhias listadas;
- Todas as grandes empresas que atendem a dois destes critérios:
- Mais de 250 funcionários,
- Volume de negócios líquido superior a 40 milhões de euros,
- Ativos superiores a 20 milhões de euros;
- Empresas fora da UE com volume de negócios líquido superior a 150 milhões de euros e pelo menos uma subsidiária na UE.
Prevê-se que a nova regulação abranja cerca de 50 mil entidades na Europa que compara com as cerca de 11.700 entidades anteriormente consideradas. Estes relatórios de sustentabilidade deverão ser iniciados (com reporte efetivo no final desse ano) nos seguintes prazos:
- A partir de 1 de janeiro de 2024 para as grandes empresas de utilidade pública (com mais de 500 trabalhadores) já sujeitas à diretiva de relato não financeiro (NFRD), com emissão de um relatório em 2025;
- A partir de 1 de janeiro de 2025 para as grandes empresas atualmente não sujeitas à diretiva de reporte não financeiro, com emissão do relatório em 2026;
- A partir de 1 de janeiro de 2026 para PME cotadas e outras empresas, com emissão do relatório em 2027 (podem optar por não participar até 2028).
Este novo reporte de sustentabilidade, nos padrões das ESRS, deverá ser integrado nos relatórios anuais de atividade e, além de exigir a auditoria externa obrigatória das informações relatadas, prevê a aplicação da “dupla materialidade”, isto é a avaliação “de fora para dentro” (impactos ESG no valor do negócio) e “de dentro para fora” (impactos dos negócios nas pessoas e no planeta). Prevê ainda que toda a informação relatada seja marcada (“tagged”) digitalmente, o que será um desafio à gestão deste processo com maior exigência na transformação digital das empresas.
O processo legislativo europeu dirige-se primordialmente às grandes empresas, mas o seu impacto, por contágio nas relações económicas e nos hábitos dos cidadãos, deverá tornar-se um padrão e, mais tarde ou mais cedo, arrastar o seu efeito a todo o tecido empresarial. Os gestores devem manter-se atentos a antecipar as ameaças das alterações de contexto dos seus negócios e, de igual modo, as oportunidades da mudança para a sustentabilidade.