O novo canvas para os modelos de negócios sustentáveis

 

Há já alguns anos que a sustentabilidade é o hype do momento, ou seja, aquilo de que todos falam. Mas, embora muito se fale, o alcance desta palavra é mais abrangente e profundo para os modelos de negócio das empresas do que a maioria de nós perceciona. Neste sentido, é mais correto e transformador usarmos o termo Desenvolvimento Sustentável.

“Desenvolvimento que responde às necessidades do presente sem comprometer a capacidade de resposta das gerações futuras às suas próprias necessidades.”
Relatório Brundtland I 1987

A sustentabilidade está ainda muito associada a aspetos relacionados com o (des)equilíbrio entre desenvolvimento económico e meio ambiente que foram endereçados de forma explícita e alargada na Conferência de Estocolmo, pela reunião de chefes de estado organizada pelas Nações Unidas (ONU) em junho de 1972. É em 1987, que se estabelece o conceito de Desenvolvimento Sustentável, disseminado a partir do documento intitulado “Nosso Futuro Comum” (Relatório Bruntland) e que é atualmente comummente aceite a nível global pelos vários países do mundo.

No conceito de Desenvolvimento Sustentável é evidente a noção de equilíbrio entre economia, ambiente, mas também o desenvolvimento humano com tudo o que implica – desenvolvimento originado não só pela erradicação da pobreza e acesso a recursos alimentares e hídricos, mas também pelo acesso à educação, saúde, envelhecimento digno e paz. Estas questões são cada vez mais evidentes e compreensíveis para as populações, os governos e organizações, entre as quais as empresas.

Isto gera uma forte pressão e é algo radicalmente transformador para as empresas. Com efeito, exige uma alteração de perspetiva em que a empresa deixa de estar focada no curto prazo, mas passa a equacionar a sua viabilidade a longo prazo. A perspetiva de longo prazo é a face visível da pressão que as empresas têm para incorporar os princípios de desenvolvimento sustentável em todas as suas atividades para serem bem-sucedidas. Há, portanto, uma alteração de foco exclusivamente virado para o lucro financeiro, como acontecia no modelo tradicional, e passa a ter de ter uma perspetiva bidirecional que reconhece e tem em conta não apenas como é impactada, mas também como impacta de forma material os sistemas onde se insere.

É neste contexto que têm surgido ferramentas de modelização de negócios orientadas ao desenvolvimento sustentável, entre as quais o Flourishing Business Canvas (FBC).

O que é o Flourishing Business Canvas?

O Flourishing Business Canvas é uma ferramenta de planeamento estratégico concebida por Anthony Upward e Edward James para ajudar as empresas a projetar modelos de negócio sustentáveis, adaptados às exigências do século XXI, que lhes permitem prosperar e, ao mesmo tempo, contribuir positivamente para o mundo.

É uma ferramenta visual colaborativa que oferece a utilização de uma linguagem e conceitos comuns pelos stakeholders da empresa. Isto é facilitador de um trabalho em conjunto eficaz e permite a apreensão da complexidade do mundo onde as empresas atuam ao reconhecer as suas interdependências com a sociedade, o meio ambiente e a economia.

Qual o significado do Flourishing?

O conceito deriva de estudos dos psicólogos positivos que deram o nome “Flourishing” ao nível mais alto de experiência humana.

Mais concretamente, deriva do trabalho pioneiro de John Ehrenfeld em Ecologia Industrial, que concluiu que o único objetivo que a humanidade, individual ou coletivamente, poderia perseguir e deveria tentar perseguir é: “criar a possibilidade de os seres humanos e outros seres vivos florescerem no nosso planeta para as gerações vindouras potenciando a integridade, beleza e capacidade regenerativa das comunidades vivas.” (adaptado do Professor John Ehrenfeld, MIT, e Michelle Holiday).

No mundo dos negócios, criar ou inovar modelos de negócio com objetivos flourishing requer projetos deliberados e colaborativos que abordem as interdependências entre as partes interessadas e os respetivos interesses financeiros, sociais e ambientais também interdependentes. A ponderação do interesse de todas as partes interessadas leva, de acordo com autores como Willard (2012), a melhores resultados financeiros do que os modelos tradicionais, nos quais apenas alguns interesses são considerados.

Empresas flourishing contribuem para a realização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU e, vão além deles, para melhorar a integridade, beleza e capacidade regenerativa das comunidades vivas.

Qual a diferença do Flourishing Business Canvas para o Canvas tradicional?

O Flourishing Business Canvas é um modelo de estrutura multidimensional que é mais abrangente do que os modelos tradicionais como o Business Model Canvas (ver mais na SCORING Magazine – Edição 2, p. 20) de Osterwalder e Pigneur (2010), que trata de aspetos puramente relacionados com o lucro.

Além dos fatores necessários para avaliar financeiramente os riscos materiais, incorpora todas as fontes de inovação e oportunidades relevantes de hoje e do futuro.

Mais completo e ambicioso, utiliza 17 perguntas por intermédio das quais os stakeholders são convidados a realizarem uma reflexão sobre seu modelo de negócio atual ou futuro (Broeck, 2017; Sonowal, 2017).

As respostas a estas 17 perguntas ajudam a descrever e projetar todos os elementos de qualquer modelo de negócio, para qualquer tipo de organização, independentemente do seu objetivo. São perguntas de fácil compreensão para os stakeholders e consideram o entendimento coletivo (Elkington & Upward, 2016).

Assim, o sucesso do modelo de negócio da empresa é aferido com base na interdependência entre as seguintes dimensões:

  1. Tempo: pode ser definido em três horizontes temporais.

A dimensão temporal do modelo, que pode ir do mais curto espaço de tempo até ao muito longo prazo, é rica pela projeção que permite do futuro e a verificação de gaps efetivos versus o ambicionado, o que deve ser o trigger para os movimentos adaptativos e/ou transformadores necessários para que a empresa permaneça relevante e a atuar nos seus mercados.

  • Hoje – modelo de negócio atual

Pode ser útil começar por descrever o modelo de negócios atual. É o ponto de partida indicado se se pretende compreender plenamente o modelo atual, identificar gaps, áreas de risco e oportunidades base para modelos de negócio futuros. É o recomendável para start-ups e empresas já operacionais pois permite definir o baseline (ponto de partida).

  • Curto prazo – próximo modelo de negócio: 6 a 18 meses

Descreve como a sua empresa planeia operar numa determinada data futura. Permite modelizar (testar) diferentes cenários no curto prazo que podem contribuir para que o negócio mantenha ou melhore a sua viabilidade social, ambiental e financeira.

Desta forma, tem-se visibilidade sobre as lacunas que existem entre o modelo de negócios atual e o seguinte, as quais têm de ser eliminadas e resolvidas para que a sua empresa atinja metas e objetivos de curto prazo realistas. Isto também ajudará a mapear como a empresa poderá fazer progressos significativos em direção ao modelo de negócios aspiracional sem impactar negativamente.

  • Longo prazo – modelo de negócio aspiracional (visão): 10 a 30 anos

Baseado nos mesmos princípios anteriores, é muito mais aberto e está associado ao movimento transformacional da empresa que vai permitir-lhe evoluir e/ou reinventar-se de forma a corresponder às expectativas dos stakeholders relevantes a longo prazo, tendo em conta as condicionantes do contexto e dessa forma permanecer implantada no mercado de forma longeva.

  1. Contexto de negócio em três dimensões (ambiental, social e económica) que são contextuais de todos os riscos e oportunidades, e comuns a qualquer negócio:
  • Ambiental: está associada aos recursos naturais disponíveis igualmente para todas as empresas, organizações e populações e das quais todos dependemos para viver – ar não poluído, água potável e solos e oceanos saudáveis e plenos de biodiversidade.

Espelha-se na pegada ecológica da empresa, as práticas de sustentabilidade e a gestão de recursos.

  • Social: está associado a todas as partes ativas da sociedade humana, na sua complexidade de culturas, sistemas de governo, instituições, tecnologias e inovação criativa que evolui continuamente.

Espelha-se no impacto social da empresa, incluindo o bem-estar dos trabalhadores, o envolvimento da comunidade e as contribuições sociais.

  • Económica: está intrinsecamente associada às empresas (com ou sem fins lucrativos), que existem para ajudar as pessoas individuais e a sociedade coletivamente, a satisfazer as suas necessidades através de trocas comerciais.

Espelha-se nas receitas, custos, investimentos e resultados.

  1. Modelo de negócio sob quatro perspetivas:

Em seguida, são adicionadas quatro perspetivas lógicas desejáveis para um negócio (processo, valor, pessoas e resultados) conforme o direcionamento do Balanced Scorecard de Kaplan e Norton (1992).

  • Pessoas (quem?)

Quem são todas as pessoas envolvidas com a empresa: as pessoas que fazem parte da empresa e/ou para as quais a empresa existe?

As pessoas são a razão pela qual a empresa existe. As pessoas são os atores associados a cada empresa e têm uma grande variedade de necessidades. Os atores escolhem tornar-se stakeholders da empresa se acreditarem que isso é a melhor forma de satisfazer as suas necessidades.

  • Valor (o quê?)

Que valor é cocriado e codestruído na interação entre a empresa e todas as pessoas ou coisas com quem se relaciona?

O valor é percebido pelos stakeholders pela forma como as suas necessidades são satisfeitas. É avaliado por eles a partir de uma variedade de perspetivas – psicológica, estética, fisiológica, utilitarista e/ou monetária.

O valor é cocriado quando as necessidades são satisfeitas de forma positivamente alinhada com as expectativas e codestruído quando isso não acontece.

  • Processo (como?)

Como e onde são os processos que a empresa executa?

O processo descreve como, onde e com que recursos a empresa cria valor. Os processos são a forma através da qual as necessidades dos stakeholders são satisfeitas e, em última análise, o modo como os objetivos da empresa são atingidos.

  • Porquê (por que é que a empresa existe?)

Porque é que a empresa existe? Que resultados demonstram se a empresa está a atingir os seus objetivos ao longo do tempo?

Os resultados consistem nas metas estabelecidas para a empresa com base no seu propósito ou razão da sua existência, a que acrescem os Benefícios e Custos que, quando somados, permitem avaliar se as metas estão a ser efetivamente atingidas. Os resultados desejáveis do negócio são determinados pelos stakeholders mandatados (com poder) para o fazer, a partir da sua própria definição de sucesso para a organização e para si próprios.

É de forma muito clara ao nível dos resultados que se reconhecem e avaliam as interdependências do modelo de negócio da empresa.

  1. Fronteiras

Como é visível no Canvas, a maioria dos elementos do modelo são exclusivos da empresa. No entanto, dado que a empresa se move nos três contextos, é importante perceber que elementos do modelo de negócio de uma empresa são partilhados ou comuns a todas as outras empresas que partilham os mesmos contextos.

  • Tudo o que é partilhado com todos

No lado esquerdo da tela, a interseção do contexto do ambiente e a perspetiva do processo permite considerar os elementos do mundo que são compartilhados com todos os outros. Coisas como a água, o ar que respiramos, todas as matérias-primas extraídas da crosta terrestre e assim por diante. Ele também inclui a saída do ambiente que também é compartilhada com todos os outros. Coisas como o processo de ciclo da água cuja produção é toda a água doce do planeta e o processo de fotossíntese cuja produção é quase todas as plantas do planeta.

Ao considerar esses recursos compartilhados, reflita sobre as seguintes perguntas:

Qual é a sua quota-parte razoável da empresa na utilização dos recursos?

O que é que a empresa está a fazer que pode prejudicar ou contribuir para a regeneração desses recursos?

  • Tudo o que é comum a todos

No lado direito do Canvas, a intersecção dos contextos Ambiental, Social e Económico e a Perspetiva das Pessoas permite percecionar quais os elementos do mundo que são comuns a tudo e a todos. Que atores se podem ou não tornar stakeholders da organização, e que necessidades é que eles têm.

Ao considerar esses elementos comuns, deve refletir-se nas seguintes perguntas:

  1. Que atores temos de envolver de forma crítica para a nossa empresa e que necessidades é que eles têm?
  2. Que outros elementos naturais ou animas, são lugares de envolvimento vital para o nosso negócio e que necessidades têm?
  3. Que atores podem sentir mais dificuldade em satisfazer as suas necessidades porque o nosso negócio os impacta negativamente de alguma forma?

O que é necessário ajustar no nosso modelo de negócio quando consideramos como os atores que também são stakeholders da nossa empresa também estão envolvidos noutras organizações (por exemplo concorrentes, negócios complementares ou outras empresas)?

Benefícios do Flourishing Business Canvas

O Flourishing Business Canvas traz inúmeros benefícios:

  • Linguagem comum apta para descrever e conceber empresas flourishing:

– Para os diferentes futuros que estão por vir;

– Para qualquer combinação de stakeholders/“partes interessadas” e seus objetivos;

  • Compreensão das interconexões: a empresa com a sociedade, o ambiente e a economia;
  • Conversas mais amplas, profundas e ricas sobre todos os aspetos de cocriação (ou destruição) de valor;
  • Fornece contexto para permitir a colaboração stakeholders/“partes interessadas” à volta dos seus objetivos compartilhados, tendo em conta os seus valores – permitindo o alinhamento das principais decisões estratégicas na criação ou transformação de uma empresa.

Quer saber mais?

O modelo do Flourishing Business Canvas está em constante fase de pesquisa e evolução, com a ajuda de uma comunidade global de profissionais e académicos, fazendo parte de um conjunto de ferramentas pertencentes ao Strongly Sustainable Business Model Group (SSBMG), uma comunidade de práticas de inovação do Laboratório de Inovação Estratégica da Universidade OCAD (A Ontario College of Art & Design University) de Toronto no Canadá.

Para mais informações visite o website oficial www.flourishingbusiness.org. Na página pode fazer o download gratuito do modelo Canvas e do guia interativo, para além de poder explorar vários outros recursos e tornar-se parte da comunidade.

 

Saiba aqui as perguntas que devemos responder para preencher o Flourishing Business Canvas.

 

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