Projetos sustentáveis com uma missão social: o caso do Café Joyeux
A SCORING esteve à conversa com Filipa Pinto Coelho, a Presidente Executiva do Café Joyeux Portugal, para perceber a missão social deste negócio sustentável, e quais as iniciativas para desmistificar a inclusão social de jovens adultos com dificuldades intelectuais e do desenvolvimento (DID).
SCORING Magazine (SM): Como é que este projeto chegou até Portugal?
Filipa Pinto Coelho (FPC): O projeto do Café Joyeux entrou em Portugal através da Associação VilaComVida, que nasceu em 2016, formada por um grupo de pais de crianças e jovens com dificuldades intelectuais e do desenvolvimento, onde eu me incluo. Ao contrário dos meus colegas, aterrei de paraquedas neste novo mundo, quando foi diagnosticado ao meu filho trissomia 21, às quinze semanas de gravidez. Enfrentei esta realidade com um misto de angústia e medo pelo desconhecido, procurando informações sobre como lidar com esta nova realidade. Foi este momento que despertou a estratégia central da nossa missão, porque permitiu-me perceber que, se eu estava com medo e a sentir-me deslocada nesta nova realidade, muitas pessoas também podiam estar a sentir o mesmo.
Percebi que a minha formação em comunicação e marketing, juntamente com a minha perspetiva positiva, permitiram-me desempenhar um papel único na transformação da perceção que as organizações e a sociedade têm em relação a esta exclusão social, através da comunicação positiva e da promoção da inclusão. Esta ideia evoluiu para um projeto de marketing, com o objetivo de criar uma presença marcante e influenciar o mindset das pessoas, através de uma comunicação massiva e positiva, que destacasse o talento destes jovens e combatesse o problema do afastamento social. Como qualquer marca, tivemos de comunicar para criar a diferença, e foi esse o nosso papel: “representar positivamente”. Em 2017, durante uma viagem em família a Brighton, deparei-me com o café Domenica, um estabelecimento que combinava um café com um centro de emprego e uma escola de formação. Nesse momento, percebi que era exatamente isso que queria fazer: criar cafés com vida.
Em março de 2018, foi divulgada a abertura do segundo Café Joyeux, em França. Ao procurar o site deles, encontrei um lugar amarelo, alegre e cheio de cor, que desmistificava a naturalidade desta realidade. Em destaque no site, havia uma frase que dizia “a nossa missão é trazer a diferença para o centro das nossas vidas e cidades”. Percebi que essa missão estava completamente alinhada com a nossa, e decidi entrar em contacto com eles. Através de uma amiga, fui apresentada a uma pessoa da equipa francesa do Café Joyeux e expliquei o nosso projeto, enfatizando que não éramos apenas um grupo de pais que queria ter um café, mas sim um projeto de empreendedorismo social com um papel ativo na implementação dessa ideia na realidade. Depois disso, reuni-me com o fundador da marca, Yann Bucaille, e assinamos o primeiro contrato de representação da marca Café Joyeux em Portugal em abril de 2021, o que nos permitiu abrir o nosso primeiro espaço do Café Joyeux em novembro de 2021, em São Bento.
Se esta situação fosse uma pintura, seria representada por duas estradas paralelas: uma em que Yann Bucaille e a sua esposa estavam a caminhar como empresários solidários, e outra em que eu, como mãe, estava a descobrir neste novo mundo e a representar a necessidades das famílias com filhos com necessidades especiais. Estas estradas convergem num projeto de solidariedade e empatia, simbolizando o encontro de diferentes perspetivas para criar um impacto positivo na sociedade.
Foi através desta parceria que nasceu o Café Joyeux em Portugal. Um caminho feito por duas famílias que se tornaram numa, unidas pela mesma missão que permitiram criar momentos de partilha e desmistificação da diferença.
SM: Que tipo de serviços podemos encontrar num Café Joyeux?
FPC: O Café Joyeux é detido a 100% pela Associação VilaComVida, e é a primeira família de cafés-restaurantes solidários e inclusivos, que emprega jovens adultos com dificuldade intelectual e do desenvolvimento. Somos players da restauração com os mesmos princípios que qualquer outro estabelecimento e, por isso, o nosso modelo não é favorecido por nenhum modelo de negócio diferente, o que nos permite espelhar que é possível ser uma empresa inclusiva e lucrativa. Acreditamos que qualquer empresa pode seguir o exemplo do Café Joyeux e formar uma equipa inclusiva e diversificada.
Adotamos uma perspetiva inovadora neste setor, porque nos movemos pelo mesmo rigor, qualidade e níveis de serviço de excelência, necessários ao crescimento de um negócio. Esta abordagem posiciona a atividade de organizações sociais que podem alcançar a qualidade, com pessoas com algumas limitações.
Em termos de serviço, o Café Joyeux inclui cinco áreas de negócio, e é através desta perspetiva 360º que esperamos chegar ao ponto de sustentabilidade do projeto:
A restauração, através dos quatro cafés-restaurantes presentes em Portugal, localizados em São Bento, Ageas, Cascais e Natura Towers, com dois modelos empresariais e dois modelos de rua.
Os caterings, onde oferecemos coffee breaks, almoços, jantares ou até cocktails, com um serviço rico, de qualidade evidenciada e acima de tudo, com a visibilidade dos equipiés (como chamamos aos nossos colaboradores). É um modelo win-win, porque, pelo mesmo preço (bastante competitivo no mercado), e de elevada qualidade, oferece às empresas a oportunidade de transmitir uma imagem socialmente responsável para os seus clientes e comunidade.
O “Café Joyeux em grão e capsulas” é um café de marca própria produzida e torrefacionada em Portugal. Temos orgulho de fazer parcerias com os melhores produtores de cápsulas e de grão em Portugal. O nosso conceito é vender “o primeiro café com propósito”, que combina qualidade com uma causa social. Tem sido um modelo disruptivo e inovador, gerando sustentabilidade para a empresa, e temos tido excelentes resultados em França, onde grandes grupos empresariais têm o Café Joyeux nas suas instalações.
A linha de merchandising, que vende kits para ocasiões especiais, tote bags, bonés ou aventais, disponíveis no nosso site joyeux.pt, e conta com o mesmo conceito de “presentes com propósito”.
A linha de privatização, que consiste no aluguer de espaços para eventos corporativos, team buildings, ações de formação ou até festas de anos pessoais ou privadas.
Em cada estabelecimento do Café Joyeux, contratamos entre 6 a 10 colaboradores com dificuldade intelectual, além dos supervisores. Mantemos um rácio de 1 supervisor para cada 2 ou 3 colaboradores. O nosso modelo operacional é projetado para que os colaboradores possam realizar as suas tarefas de confeção do menu, que é composto por pratos simples. Este aspeto do nosso modelo é inovador, pois coloca os colaboradores na linha de frente, enquanto os supervisores estão presentes apenas para garantir que eles desempenham as suas funções de maneira adequada. Por termos a missão de dar visibilidade à diferença é que empregamos mais pessoas do que as necessárias para esta carta.
Os cafés já são operacionalmente equilibrados, ou seja, todos os custos associados à operação, como salários e rendas, são pagos pelas receitas geradas pelos estabelecimentos. No entanto, o que não está incluído no modelo de negócio é o investimento social necessário para formação extra para os colaboradores. As outras áreas de serviço, têm como objetivo colmatar o que a restauração não consegue cobrir financeiramente nos cafés. Essas áreas adicionais geram mais fatias de receita, para que o modelo como um todo se torne sustentável. Todas as receitas vão reverter para a sustentabilidade do projeto, para abrir mais estabelecimentos e criar mais postos de trabalho, uma vez que todos os contratos são sem termo.
SM: Quais são os vossos indicadores de impacto?
FPC: Guiamo-nos essencialmente por três indicadores de impacto: o número de pessoas contratadas é o primeiro; o indicador positivo que resulta de uma avaliação feita por um grupo de controlo da Faculdade de Motricidade Humana (FMH), que demonstrou que há um indicador positivo associado ao nosso conceito; e por último, mas a mais importante para nós, é o impacto que a transformação social provoca nas pessoas, permitindo desmistificar o conceito e mudar a mentalidade das pessoas.
SM: O Café Joyeux é um modelo de negócio sustentável? E conseguem ver esse impacto noutras empresas?
FPC: Sim, apesar de precisarmos de mais tempo para atingir essa sustentabilidade, mas a Cofidis e a Ageas são exemplos da visibilidade desse impacto. Por exemplo, a Cofidis integra o modelo “Café Joyeux Inside”, em que o investimento parte da empresa com a garantia de um resultado positivo ao final do ano. Acima de tudo, verificamos que a procura por parte destas empresas prende-se com a preocupação com a cultura empresarial e com os valores que podem transmitir, permitindo aos seus colaboradores sentirem orgulho na pertença a esta parceria.
SM: Conseguiram resolver bem o paradoxo que os negócios são para dar dinheiro, mas também podem ter uma missão social?
FPC: Sim, temos de superar o receio de falar sobre lucro neste setor, porque o lucro é fundamental para multiplicar o impacto que pretendemos alcançar. Não devemos ter medo de falar sobre lucro quando estamos comprometidos com uma missão social, porque os estatutos das organizações já estabelecem muito bem essa ligação, uma vez que todo o lucro gerado é reinvestido no crescimento da missão. Numa perspetiva de negócio de ótima gestão, procuramos alcançar resultados positivos o mais rapidamente possível para impulsionar o crescimento e alcançar a nossa missão. Por isso, é necessária uma visão empresarial para expandir e prosperar.
Ouvimos sempre dizer que no meio é que esta a virtude, e isso é especialmente verdade neste contexto. As organizações sociais devem aproximar-se das empresas, e vice-versa, pois é na colaboração mútua que encontramos soluções mais rápidas e um futuro “feliz” para as associações. As histórias que se vivem neste setor são inacreditáveis e precisamos comunicá-las e partilhá-las. É este o caminho que as organizações devem seguir, porque as empresas estão cada vez mais atentas e conscientes, graças aos valores do ESG. No entanto, as associações devem estar preparadas para responder às exigências que as empresas apresentam, para permitir o crescimento rápido e sustentável das suas missões.
A missão empresarial permite alavancar o impacto social, especialmente se implicar a transformação da sociedade (desmistificação do conceito). Este impacto tem um efeito dominó muito interessante, pois permite mostrar às pessoas que o modelo é eficaz e pode ser implementado noutras equipas e empresas. Não podemos transmitir a ideia de que as associações só dão resultados positivos e têm impacto social através dos donativos. É por isso que a desmistificação é fundamental e é para isso que queremos contribuir, com grandes parceiros como o Café Joyeux e, mais recentemente, o grupo Inditex.
Há pouco tempo anunciámos que a Associação VilaComVida fez uma parceria com uma loja do setor têxtil-lar, a Zara Home, no Freeport de Alcochete. É um modelo de negócio inovador, num conceito inclusivo que o grupo Inditex adotou, chamado “for&from”, em que o grupo faz o investimento todo, mas os colaboradores pertencem à VilaComVida. O resultado vai reverter para o crescimento da nossa missão, através da abertura de mais cafés, por exemplo. É um motivo de enorme alegria para nós, e permite-nos chegar ao nosso ponto de sustentabilidade – crescer cada vez menos através dos donativos, e cada vez mais através da nossa ação e da capacidade de gestão desta missão.